quinta-feira, 21 de novembro de 2013

a gente só demora pra perceber o que machuca mais.




terça-feira, 19 de novembro de 2013

Alice

Alice tinha perdido a fé. Depois de ficar olhando por horas o mesmo branco intocável ela percebeu que nada existia entre ela e a mistura daquelas cores todas que resultavam no tudo. Esse tudo a cobria e envolvia numa mar de nada.
Ela tinha dez anos.
Não existe porque não existe e ponto final. É simples assim mesmo que difícil de entender.
É triste perder a fé com dez anos. Se tornar tão sem nada que não vê fundo. Tentar se acabar três vezes e desistir antes de tentar em todas. Ela sabe que de todas as coisas que existem no mundo só pode acreditar em si mesma mesmo que isso não signifique muito.
Olha, a gente precisa conversar sobre as paisagens que você vê e é preciso desenhar um deserto um muro e aquele monte de areia sem nada, nada. Só você e a areia e aquele maldito muro que dói pra atravessar.
É isso que passa na cabeça dela durante casamentos aniversários sobremesas domingos a vida.
Eu acho que de todas essas coisas a menos chata é a curiosidade de ver o que tem atrás do muro. Esses dias eu pensei que talvez nem eu exista, a vida é essa merda em que a gente se encontra sem ter vontade de entrar, mas que é obrigado a sentir o cheiro.
- Olha, vai pra casa e descansa um pouco. - Disse a doutora Andressa - A vida tem desses altos e baixos. Amanhã o céu abre e você percebe que é muito interessante ficar nesse lado do muro.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

deve ser coisa de filha única

às vezes eu queria saber descrever umas coisas. só pra todo mundo saber como foi bonito e o que eu senti. mas se o sentimento é bom e me anima e me faz tremer de rir eu não consigo dividir com ninguém.
é egoísmo.
até meu egoísmo eu divido. mas uma risada não.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Diana

Ficou um tempão parada comendo um pão doce na porta antes de entrar. Não estou nervosa, não estou nervosa. Limpou a mão na calça. Depois entrou. Eu queria marcar um... Qual seu nome? Diana. Nome completo, por favor. Diana exitou. Respirou fundo. A moça que tinha os olhos claros e era muito bonita segurou as mãos de Diana, olha meu amor, meu nome é Alice. Mas não é de verdade, você não precisa falar seu nome de verdade aqui. Diana achou aquilo ótimo. Disse que seu nome era Brigitte Bardot e sentou na sala de espera. Não roeu as unhas como a outra garota da fila, ficou olhando para o chão o tempo todo. Ah, queria tanto poder passar o resto da vida olhando o chão, sem saber que olhava pra dentro dela mesma. Ela sabia que precisava se livrar daquilo, era feminista, menor de idade e tinha muitos sonhos. A única merda naquilo tudo era todo mundo achar que ela era forte, que podia encarar tudo de peito aberto. Não se achava forte pra encarar muitas coisas, mas encarou. Quando a mãe se matou ela cuidou de tudo, quando o pai entrou em depressão ela ajudou em tudo. Mas sua felicidade ia minando aos poucos e às vezes se achava oca. Mas de uma coisa ela tinha certeza: aquilo não era capaz de encarar. Além do que, não queria o mesmo fim das outras. Sim, a felicidade é possível e ela existe na minha independência. Posso me arrepender, mas não vou arriscar tudo pra dar continuidade a essa coisa. Sim, Diana era forte. Respirou fundo e olhou pra porta. E o namorado, cadê? Por mais que não confessasse, uma parte dela queria ser romântica e queria atenção. Mas isso não existe aqui, existe? Eu vou pra casa estudar e ter certeza de garantir um futuro pra mim. Nunca dá certo esperar as pessoas, elas nunca têm boa vontade suficiente. Nunca. E elas te decepcionam. Tentou não pensar na mãe. Meu namorado não precisa saber que eu vim, ninguém precisa. Brigitte Bardot, o médico chamou. Ninguém riu, todo mundo estava muito preocupado com os próprios problemas. Assim que entrou no consultório, o médico pediu pra que ela se sentasse, olhou nos olhos da menina. Estão ficando cada vez mais jovens... Mas não queria saber da história de ninguém. A responsabilidade do que acontecer aqui é sua, se você sangrar até a morte, não vou poder fazer nada. Cadê seu acompanhante? Não é recomendável... Diana cortou a conversa, olha, médico (não chamava médico de doutor, doutor é quem faz doutorado, médico é médico), eu vou pagar em dinheiro. Não se preocupe com isso, uma amiga vem me buscar depois. Mentira, tudo mentira. Sim, Diana pagaria à vista, mas não, nenhuma amiga iria buscá-la. Não tinha amigas que apoiassem aquele tipo de coisa... O médico só anotou algumas coisas no papel e depois a encaminhou pra marcar tudo. A balconista, Alice, foi muito amável. Diana saiu aliviada. Depois de amanhã estaria tudo certo, estaria livre daquilo. Mas no dia combinado da hora combinada, em cima da mesa Diana sangrou até a morte. Ah, sim, tinha tantos sonhos... Mas são os imprevistos da vida. Acontece.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Bete

Bete não podia ter filhos. Depois do câncer ela não pôde mais ter os tão sonhados rostinhos gordinhos ao seu alcance. Era jovem, bonita, rica, respeitada. Mas não podia ter filhos. Bete a noite levantava e andava pela casa, perdida, queria morrer. O marido ali, sempre presente, sempre, como um cão fiel. Aquele amor irritava às vezes. Deixava de cuidar da filha Diana rebelde para ficar com a esposa. Talvez fosse por isso que a adolescente fosse tão mal educada! Se tivesse um filho, ela faria diferente. Depois da depressão, Bete descobriu que trair o marido aliviava a sua dor. Tinha felicidade quando via aqueles rostos cheios de desejo enquanto ela subia e descia, subia e descia. Largou o emprego. Passava as tardes na academia tentando formar aquele corpo tão cobiçado. Às vezes calculava quanto tempo demoraria pra morrer se seu corpo caísse da sacada. Depois de dormir com homens na cama do seu marido ela sentia um pouco de nojo de si mesma, sentia inveja das mulheres traídas em casa com as crianças. Por que ela, justo ela, não pôde ser uma mulher como as outras? Nascer, ser oprimida, sofrer com o machismo, casar, ter filhos, ser infeliz. Por que? Deixou de ter filhos pra prosseguir na carreira profissional, pra ter sucesso. E agora tinha o quê?
Às vezes ela se imaginava contando pro marido toda a verdade. Ele iria bater no seu rosto, te dar uma surra, deixar toda marcada. Ou talvez matasse a ela e ao amante. Talvez.
Tinha uma boa alimentação e cuidava bem do corpo como qualquer mulher muito vaidosa. Mas corria de hospitais. Quando a gripe forte veio ela não teve como escapar, exames aqui, exames ali. E de repente o resultado. Outro câncer, no seio esquerdo. Não chorou, não fez alarde, ficou parada olhando pra calça do médico. Foi pra casa pensativa. Entrou pela porta da cozinha e esperou o marido chegar, não tomou água e nem tirou a bolsa dos ombros. Quando ouviu os passos e sentiu a fechadura na porta se preparou, antes que o marido colocasse os dois pés dentro de casa ela contou tudo. Já dormi com seu irmão, com o vizinho do lado, com seu chefe, com o jardineiro, com o mecânico. Já te traí tanto que não lembro. O marido continuou parado. De repente suspirou e começou a caminhar firme. Amor, vamos pedir uma pizza? Ao ouvir a voz do marido assim, tão morna, Bete teve vontade de matá-lo. Não teve filhos, não teve amor, não teria mais seio. Será que ainda poderia ser chamada de mulher?
Vamos, o número está na geladeira, disse enquanto se levantava.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Lucia

Lucia descobriu, enquanto seu marido conversava com a vizinha, que os dois tinham um caso. Não precisava de provas. O olhar da vizinha Bete magrela dizia tudo. Ela já teve o corpo bonito assim, mas depois dos filhos, da depressão, da idade via os peitos murcharem e o corpo mudar, não parecia seu corpo. O marido mudou também. Aquele cabelo grisalho e as novas roupas chiques que ele conseguiu depois do novo emprego. As mãos de Lucia sujas, descascar batatas deixava a mão meio grossa... Ainda tinha a sala pra limpar, o banheiro pra lavar. E o marido de Lucia que a acusava de ser mole. Ah, Lucia, você, justo você!, uma mulher com tanto talento! Cair nessa vidinha. Lavou as mãos e continuou observando os dois pela janela. Não, talvez não fosse um caso, talvez ainda estivessem pensando nisso, pensando em traí-la. Como ele pode? Depois de ela ter perdido a sua juventude com um homem como ele! Depois de ela ter dado a luz a seus filhos! Uma mulher dez anos mais jovem... Quanto constrangimento...
Limpou as mãos roliças na toalha e sentiu uma súbita falta de ar. A perna parecia muito frouxa, a vista parecia muito embaçada. Lucia pensou que poderia ser ciúme, poderia ser a raiva do marido traidor, poderia ser o desejo de vingança. Mas devia ser só mais uma dessas crises da idade. Ah, Lucia, a idade é tão severa. Sentou-se e ficou pensativa. A sala, o banheiro, o arroz queimando. Levantar e ir embora, abandonar o marido, as crianças, aquela vida de merda de dona de casa mal amada e mal comida. Chorou sozinha, não pela traição, não pelo medo das doenças, mas por pena dela mesma... Quando foi que deixou de amar a si mesma? Foi quando fingiu não perceber as traições? Foi quando disse "sim"? Foi depois do primeiro filho? Ficar triste, chorar, rebater, brigar, quebrar a casa, matar o marido, fazer o almoço, emagrecer, cuidar dos filhos, viver sua vida, ver a roupa do balé, costura meias, ser amável, ser honesta...
Foi pra sala e pegou a vassoura. Mas aquele chão não era o de sempre, parecia mais perto... Saiu pela porta da frente e pensou em tudo, pensou em correr. Mas não teve forças. Caiu na grama e deixou as formigas subirem em seu corpo. Mas aí lembrou:
Nossa! O arroz!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

tree

ah, aquela fossa de novo... eu não devia fazer disso aqui um diário, mas qual a saída? todo mundo muito cansado das minhas velhas merdas. é triste quando você afasta todo mundo.
tenho vergonha disso. vergonha de tudo que eu fiz pra me tornar quem eu sou hoje. se eu pudesse eu apagava tudo.
hoje eu passei o dia todo olhando o céu pela minha janela. aquela árvore seca, morta, a minha melhor amiga. eu podia dar um nome pra ela, eu podia achar que ela me entende mais do que eu mesma e é por isso que eu já não sei quem eu sou mais. eu sou o que essa árvore vê em mim. se um dia ela cair, eu caio também. parece que a gente vai morrendo na mesma velocidade.
toda vez que eu ouço aquelas ofensas eu sinto minha pele pegando fogo. é brasa. e a cicatriz deve ficar pra sempre. a vida é de merda mesmo.
quando eu for embora eu vou sentir falta da árvore. antes tinha uma sombra enorme, agora você só tem seus galhos secos pra oferecer por aí. e eu, só meus sentimentos ruins pra escrever aqui.
os bons eu guardo com força. se eu perder estes, eu me perco também.
abdiquei do meu sonho, não por altruísmo, mas por preguiça, por ciúme. esse fim de ano vai ser pior do que o outro. eu queria nunca mais ver um rosto conhecido de novo. a saudade faz lembrar as coisas boas.
mas o tempo passa, não passa? e daqui há alguns anos eu esqueço o quanto eu te amei um dia.
já esqueci de outros amores antes e nem nisso você vai ser especial. não vai ser a primeira que eu descartei.
quem é descartado sempre descarta no final. essa são as regras do jogo.

i can see my best friend from my window

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Aqueles dias

Aqueles dias que eu sorria até pros panfleteiros e distribuía elogios por aí.
Teve gente que não acreditava que eu pudesse mudar tanto, mas a gente sempre dá um jeitinho de ir mais a fundo e revirar no fundo da alma pra ver o que descobre de bom.
E com todas aquelas amizades fofas e sorrisos e dias de sol eu passava a vida olhando tudo, crendo em tudo e sentindo tudo. Tem sempre aquilo, aquele, aquela que você volta a encontrar e te dá um aperto no peito. Eu queria aperto na cintura. Aperto de mão.
A vida pode ser bonita se a gente pinta tudo de azul e pára de assistir jornal.
Virgens Suicidas, Quando duas mulheres pecam, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, Réquiem para um sonho...
Vamos deixar o sofrimento pra ficção das tardes.
A minha gatinha gorda e preguiçosa, eu mais gordinha e preguiçosa e rindo. O bolo queimando e eu nem aí.
Entender que a gente anda conforme o passo. Deixar os conflitos pra trás.
Deixar as velhas pessoas pra trás. Acreditar em Deus.

A vida só é boa quando a gente ignora o que tem de ruim.
Mas a questão é que isso não pode durar pra sempre.

sábado, 9 de março de 2013

Hoje

Hoje as estrelas sorriram pra mim quando eu fechei os olhos e pedi lá do fundo, bem do fundo.
Da minha janela eu vejo tijolos e chão grosso. Eu vejo crianças barrigudas e mulheres gordas.
Essa tarde um quê de esperança entrou debaixo da minha porta. E eu pulei e pulei de medo.
Mas acho que no final tudo se ajeita e a gente deixa de perder tempo.
Aquela moça que trabalha na máquina de xerox sorriu pra mim hoje e me perguntou se eu tinha visto o céu e tão lindo que ele tava.
Na vida a gente sempre tem moças do xerox pra lembrar que o céu tá bonito
e sempre tem uma janela pra ver o chão grosso e a criança barriguda.

quinta-feira, 7 de março de 2013

poderia

Você poderia falar da guerra. 
Poderia falar das mães que perderam os filhos.
Poderia falar da Yoni Sanchez, do Hugo Chavez, do Chorão.
Do facebook, da morte súbita, dos coliformes fecais na água de poço.
Do governo brasileiro, do governo americano.
De Goethe, de Pessoa, dos Anjos.
Do cachorro que queria chegar do outro da rua,
da tangente transversal entre duas retas paralelas num mesmo plano,
da escassez de amor, de ódio.
Dos rompimentos, dos dias banais, das cruzadas.
Do tempo, das provas, dos amores.
Da padaria da esquina que não tem iogurte,
de gente que bebe cachaça, de gente que usa crack.
Das pessoas que você ama, das que você odeia,
das que você não sabe que existem.
Mas você só sabe falar de você mesmo. 
Porque acha que a sua dor é a maior dor 
do mundo. 

Mas não é.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Tem dias que a vida é um ato de coragem...


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Se você quer raspar a cabeça...

 você tem que saber se olhar no espelho e não se arrepender. Se você quer raspar a cabeça, você tem que desfazer as unhas e usar uma roupa condizente que não condiga. Mesmo sem saber se essa palavra, condiga, existe. Você tem que entender que raspar a cabeça é definitivo e que seu cabelo nunca mais será o mesmo, nem os olhares serão os mesmos. Se você quer raspar a cabeça você tem que saber gritar alto e pular alto e fazer tudo do alto pra não se envergonhar de nada que possa te causar desconforto. 
Se você quer raspar a cabeça você tem que se livrar de todas as acusações de ingratidão, de incesto, de sem-vergonhice. Mesmo sem saber se vergonhice é com C. Se você quer raspar a cabeça você tem que entender que não tem como se preocupar com ortografia ou telefone ou qualquer outra coisa. Se você quer raspar a cabeça você tem que entender que você vai ser outra com a mesma face, mas sem cabelo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

só que não

Eu planejei tudo. Construí na cabeça, montei e desmontei várias vezes vários planos. Mas não deu certo. E agora é a hora que eu choro e faço birra e finjo que tenho o maior umbigo do mundo. Só que hoje não. Hoje eu sou adulta. E gente adulta não chora. Nem foge das responsabilidades. Gente adulta finge que está bem e que não importa o que aconteça ano que vem tem de novo.
Por mais que você queira morrer. E gritar. E colocar a culpa nos outros. Hoje eu vou ser adulta pela primeira vez. Eu vou respirar fundo quando der vontade de chorar. Eu vou segurar os comentários maldosos. Eu fracassei e não deu. Mas não dar faz parte. E se eu fracassei eu tenho que me esforçar mais. E pronto. E tá tudo bem. Mesmo que não esteja.
Foda-se.