quarta-feira, 17 de julho de 2013

Lucia

Lucia descobriu, enquanto seu marido conversava com a vizinha, que os dois tinham um caso. Não precisava de provas. O olhar da vizinha Bete magrela dizia tudo. Ela já teve o corpo bonito assim, mas depois dos filhos, da depressão, da idade via os peitos murcharem e o corpo mudar, não parecia seu corpo. O marido mudou também. Aquele cabelo grisalho e as novas roupas chiques que ele conseguiu depois do novo emprego. As mãos de Lucia sujas, descascar batatas deixava a mão meio grossa... Ainda tinha a sala pra limpar, o banheiro pra lavar. E o marido de Lucia que a acusava de ser mole. Ah, Lucia, você, justo você!, uma mulher com tanto talento! Cair nessa vidinha. Lavou as mãos e continuou observando os dois pela janela. Não, talvez não fosse um caso, talvez ainda estivessem pensando nisso, pensando em traí-la. Como ele pode? Depois de ela ter perdido a sua juventude com um homem como ele! Depois de ela ter dado a luz a seus filhos! Uma mulher dez anos mais jovem... Quanto constrangimento...
Limpou as mãos roliças na toalha e sentiu uma súbita falta de ar. A perna parecia muito frouxa, a vista parecia muito embaçada. Lucia pensou que poderia ser ciúme, poderia ser a raiva do marido traidor, poderia ser o desejo de vingança. Mas devia ser só mais uma dessas crises da idade. Ah, Lucia, a idade é tão severa. Sentou-se e ficou pensativa. A sala, o banheiro, o arroz queimando. Levantar e ir embora, abandonar o marido, as crianças, aquela vida de merda de dona de casa mal amada e mal comida. Chorou sozinha, não pela traição, não pelo medo das doenças, mas por pena dela mesma... Quando foi que deixou de amar a si mesma? Foi quando fingiu não perceber as traições? Foi quando disse "sim"? Foi depois do primeiro filho? Ficar triste, chorar, rebater, brigar, quebrar a casa, matar o marido, fazer o almoço, emagrecer, cuidar dos filhos, viver sua vida, ver a roupa do balé, costura meias, ser amável, ser honesta...
Foi pra sala e pegou a vassoura. Mas aquele chão não era o de sempre, parecia mais perto... Saiu pela porta da frente e pensou em tudo, pensou em correr. Mas não teve forças. Caiu na grama e deixou as formigas subirem em seu corpo. Mas aí lembrou:
Nossa! O arroz!

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