sexta-feira, 19 de julho de 2013

Diana

Ficou um tempão parada comendo um pão doce na porta antes de entrar. Não estou nervosa, não estou nervosa. Limpou a mão na calça. Depois entrou. Eu queria marcar um... Qual seu nome? Diana. Nome completo, por favor. Diana exitou. Respirou fundo. A moça que tinha os olhos claros e era muito bonita segurou as mãos de Diana, olha meu amor, meu nome é Alice. Mas não é de verdade, você não precisa falar seu nome de verdade aqui. Diana achou aquilo ótimo. Disse que seu nome era Brigitte Bardot e sentou na sala de espera. Não roeu as unhas como a outra garota da fila, ficou olhando para o chão o tempo todo. Ah, queria tanto poder passar o resto da vida olhando o chão, sem saber que olhava pra dentro dela mesma. Ela sabia que precisava se livrar daquilo, era feminista, menor de idade e tinha muitos sonhos. A única merda naquilo tudo era todo mundo achar que ela era forte, que podia encarar tudo de peito aberto. Não se achava forte pra encarar muitas coisas, mas encarou. Quando a mãe se matou ela cuidou de tudo, quando o pai entrou em depressão ela ajudou em tudo. Mas sua felicidade ia minando aos poucos e às vezes se achava oca. Mas de uma coisa ela tinha certeza: aquilo não era capaz de encarar. Além do que, não queria o mesmo fim das outras. Sim, a felicidade é possível e ela existe na minha independência. Posso me arrepender, mas não vou arriscar tudo pra dar continuidade a essa coisa. Sim, Diana era forte. Respirou fundo e olhou pra porta. E o namorado, cadê? Por mais que não confessasse, uma parte dela queria ser romântica e queria atenção. Mas isso não existe aqui, existe? Eu vou pra casa estudar e ter certeza de garantir um futuro pra mim. Nunca dá certo esperar as pessoas, elas nunca têm boa vontade suficiente. Nunca. E elas te decepcionam. Tentou não pensar na mãe. Meu namorado não precisa saber que eu vim, ninguém precisa. Brigitte Bardot, o médico chamou. Ninguém riu, todo mundo estava muito preocupado com os próprios problemas. Assim que entrou no consultório, o médico pediu pra que ela se sentasse, olhou nos olhos da menina. Estão ficando cada vez mais jovens... Mas não queria saber da história de ninguém. A responsabilidade do que acontecer aqui é sua, se você sangrar até a morte, não vou poder fazer nada. Cadê seu acompanhante? Não é recomendável... Diana cortou a conversa, olha, médico (não chamava médico de doutor, doutor é quem faz doutorado, médico é médico), eu vou pagar em dinheiro. Não se preocupe com isso, uma amiga vem me buscar depois. Mentira, tudo mentira. Sim, Diana pagaria à vista, mas não, nenhuma amiga iria buscá-la. Não tinha amigas que apoiassem aquele tipo de coisa... O médico só anotou algumas coisas no papel e depois a encaminhou pra marcar tudo. A balconista, Alice, foi muito amável. Diana saiu aliviada. Depois de amanhã estaria tudo certo, estaria livre daquilo. Mas no dia combinado da hora combinada, em cima da mesa Diana sangrou até a morte. Ah, sim, tinha tantos sonhos... Mas são os imprevistos da vida. Acontece.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Bete

Bete não podia ter filhos. Depois do câncer ela não pôde mais ter os tão sonhados rostinhos gordinhos ao seu alcance. Era jovem, bonita, rica, respeitada. Mas não podia ter filhos. Bete a noite levantava e andava pela casa, perdida, queria morrer. O marido ali, sempre presente, sempre, como um cão fiel. Aquele amor irritava às vezes. Deixava de cuidar da filha Diana rebelde para ficar com a esposa. Talvez fosse por isso que a adolescente fosse tão mal educada! Se tivesse um filho, ela faria diferente. Depois da depressão, Bete descobriu que trair o marido aliviava a sua dor. Tinha felicidade quando via aqueles rostos cheios de desejo enquanto ela subia e descia, subia e descia. Largou o emprego. Passava as tardes na academia tentando formar aquele corpo tão cobiçado. Às vezes calculava quanto tempo demoraria pra morrer se seu corpo caísse da sacada. Depois de dormir com homens na cama do seu marido ela sentia um pouco de nojo de si mesma, sentia inveja das mulheres traídas em casa com as crianças. Por que ela, justo ela, não pôde ser uma mulher como as outras? Nascer, ser oprimida, sofrer com o machismo, casar, ter filhos, ser infeliz. Por que? Deixou de ter filhos pra prosseguir na carreira profissional, pra ter sucesso. E agora tinha o quê?
Às vezes ela se imaginava contando pro marido toda a verdade. Ele iria bater no seu rosto, te dar uma surra, deixar toda marcada. Ou talvez matasse a ela e ao amante. Talvez.
Tinha uma boa alimentação e cuidava bem do corpo como qualquer mulher muito vaidosa. Mas corria de hospitais. Quando a gripe forte veio ela não teve como escapar, exames aqui, exames ali. E de repente o resultado. Outro câncer, no seio esquerdo. Não chorou, não fez alarde, ficou parada olhando pra calça do médico. Foi pra casa pensativa. Entrou pela porta da cozinha e esperou o marido chegar, não tomou água e nem tirou a bolsa dos ombros. Quando ouviu os passos e sentiu a fechadura na porta se preparou, antes que o marido colocasse os dois pés dentro de casa ela contou tudo. Já dormi com seu irmão, com o vizinho do lado, com seu chefe, com o jardineiro, com o mecânico. Já te traí tanto que não lembro. O marido continuou parado. De repente suspirou e começou a caminhar firme. Amor, vamos pedir uma pizza? Ao ouvir a voz do marido assim, tão morna, Bete teve vontade de matá-lo. Não teve filhos, não teve amor, não teria mais seio. Será que ainda poderia ser chamada de mulher?
Vamos, o número está na geladeira, disse enquanto se levantava.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Lucia

Lucia descobriu, enquanto seu marido conversava com a vizinha, que os dois tinham um caso. Não precisava de provas. O olhar da vizinha Bete magrela dizia tudo. Ela já teve o corpo bonito assim, mas depois dos filhos, da depressão, da idade via os peitos murcharem e o corpo mudar, não parecia seu corpo. O marido mudou também. Aquele cabelo grisalho e as novas roupas chiques que ele conseguiu depois do novo emprego. As mãos de Lucia sujas, descascar batatas deixava a mão meio grossa... Ainda tinha a sala pra limpar, o banheiro pra lavar. E o marido de Lucia que a acusava de ser mole. Ah, Lucia, você, justo você!, uma mulher com tanto talento! Cair nessa vidinha. Lavou as mãos e continuou observando os dois pela janela. Não, talvez não fosse um caso, talvez ainda estivessem pensando nisso, pensando em traí-la. Como ele pode? Depois de ela ter perdido a sua juventude com um homem como ele! Depois de ela ter dado a luz a seus filhos! Uma mulher dez anos mais jovem... Quanto constrangimento...
Limpou as mãos roliças na toalha e sentiu uma súbita falta de ar. A perna parecia muito frouxa, a vista parecia muito embaçada. Lucia pensou que poderia ser ciúme, poderia ser a raiva do marido traidor, poderia ser o desejo de vingança. Mas devia ser só mais uma dessas crises da idade. Ah, Lucia, a idade é tão severa. Sentou-se e ficou pensativa. A sala, o banheiro, o arroz queimando. Levantar e ir embora, abandonar o marido, as crianças, aquela vida de merda de dona de casa mal amada e mal comida. Chorou sozinha, não pela traição, não pelo medo das doenças, mas por pena dela mesma... Quando foi que deixou de amar a si mesma? Foi quando fingiu não perceber as traições? Foi quando disse "sim"? Foi depois do primeiro filho? Ficar triste, chorar, rebater, brigar, quebrar a casa, matar o marido, fazer o almoço, emagrecer, cuidar dos filhos, viver sua vida, ver a roupa do balé, costura meias, ser amável, ser honesta...
Foi pra sala e pegou a vassoura. Mas aquele chão não era o de sempre, parecia mais perto... Saiu pela porta da frente e pensou em tudo, pensou em correr. Mas não teve forças. Caiu na grama e deixou as formigas subirem em seu corpo. Mas aí lembrou:
Nossa! O arroz!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

tree

ah, aquela fossa de novo... eu não devia fazer disso aqui um diário, mas qual a saída? todo mundo muito cansado das minhas velhas merdas. é triste quando você afasta todo mundo.
tenho vergonha disso. vergonha de tudo que eu fiz pra me tornar quem eu sou hoje. se eu pudesse eu apagava tudo.
hoje eu passei o dia todo olhando o céu pela minha janela. aquela árvore seca, morta, a minha melhor amiga. eu podia dar um nome pra ela, eu podia achar que ela me entende mais do que eu mesma e é por isso que eu já não sei quem eu sou mais. eu sou o que essa árvore vê em mim. se um dia ela cair, eu caio também. parece que a gente vai morrendo na mesma velocidade.
toda vez que eu ouço aquelas ofensas eu sinto minha pele pegando fogo. é brasa. e a cicatriz deve ficar pra sempre. a vida é de merda mesmo.
quando eu for embora eu vou sentir falta da árvore. antes tinha uma sombra enorme, agora você só tem seus galhos secos pra oferecer por aí. e eu, só meus sentimentos ruins pra escrever aqui.
os bons eu guardo com força. se eu perder estes, eu me perco também.
abdiquei do meu sonho, não por altruísmo, mas por preguiça, por ciúme. esse fim de ano vai ser pior do que o outro. eu queria nunca mais ver um rosto conhecido de novo. a saudade faz lembrar as coisas boas.
mas o tempo passa, não passa? e daqui há alguns anos eu esqueço o quanto eu te amei um dia.
já esqueci de outros amores antes e nem nisso você vai ser especial. não vai ser a primeira que eu descartei.
quem é descartado sempre descarta no final. essa são as regras do jogo.

i can see my best friend from my window