sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

#1

Primeiro olhou pra sala. Tudo no lugar, como sempre. Depois olhou o relógio. Gostava de controlar as horas. Tenho exatamente 30 minutos antes da novela. Foi fazer café. O cheiro inundando a cozinha deu mais prazer do que a bebida em si. O vapor insinuante que subia da xícara a lembrou o filho da manicure.Os mesmos movimentos sedutores. Tão bonito... Tomou um gole para esquecer os pensamentos libidinosos que começavam a escalar seu corpo. O café queimou a língua e ela não fez nenhuma exclamação. Olhou o reflexo do seu corpo no armário e caminhou novamente para a sala. Tinha perdido o horário da novela. Nunca perdera o horário da novela. Ligou a televisão justo no momento em que o mocinho falava com aquele sotaque nordestino que a fazia abrir as pernas. Igual o filho da manicure. Sérgio, era esse o nome dele. Fechou os olhos e imaginou o filho da manicure dizendo que a defenderia, amaria, penetraria... Tomou mais um gole de café e cruzou as pernas. O marido abriu a porta sem nem olhar-lhe a face. Foi direto para o quarto. Ela pensou em ir até lá, tirar a roupa, mostrar a depilação feita. Mas preferiu o televisor a sua frente. Marido complicado, aquele!
—Cadê o João?—Perguntou o marido já de chinelos. 
—Tá na casa da namorada, falou que só volta amanhã.—Respondeu sem desgrudar os olhos da TV, tomou mais um gole de café. O marido entrou no banheiro. Ela podia imaginar o ritual do marido: tirar a roupa, dobrar, colocar no cesto. Tantos anos de casamento! Dois filhos, um já casado, Graças a Deus!, três casas, os carros, as brigas, o silêncio. Ele poderia ficar com as duas casas, com o carro mais caro. E o filho que fosse morar com quem quisesse. Ela ficaria com casa da praia, gostava de lá, era calmo e o vizinho... Ah, aquele vizinho! Que era isso, meu Deus? Precisava recompor-se. Levantou, colocou a xícara na pia e olhou o chão limpo. Tão limpo, tudo tão esterilizado. Olhou o relógio. Tenho 5 minutos pra entrar no banheiro e pegar meu marido antes do fim do banho. Bateu na porta. Corpo em chamas.
—Valdemiro? Valdemiro?— Ele não respondeu. Talvez fingisse não ouvi-la. Ela esperou com a mão na maçaneta, ele a ouvia. Desistiu. Vou beber mais café. Que isso, Vânia? Você nunca foi disso... Ela se sentou na mesa. Ah! Esquecera-se de desligar o televisor, podia ouvir o moço de sotaque nordestino na sala. Paraíba, talvez. Ou Ceará. Lembrava o filho da manicure. O líquido quente descendo pela garganta. Não mais quente que ela. Deixou o café como estava. Foi para o quarto e abriu as gavetas. O marido saía do banheiro. Secava as costas. Ela pegou uma calcinha vermelha. O marido olhou, desinteressado. Ela começou a se despir.
—Como foi na loja hoje?
—O de sempre...
—Você demorou...—Ela observou colocando a peça cor de sangue.
—Muito trabalho.—Falou ele saindo do quarto. Ela terminou de vestir-se. Para quê aquela calcinha? Para quê? Talvez o filho da manicure ligasse. Ela deu o telefone, deu o endereço. Pensou na diferença de idade entre eles. Meninos nessa idade não querem compromisso. Muito menos eu.
—Cadê a janta, Vânia?
—É que hoje sairíamos para jantar.—Respondeu, seca.
—Ah, me desculpe.—Falou ele sem se importar. Ela fitou as costas do marido, o jeito perfeccionista que ele tinha de sempre querer tudo em ordem. Ela começou a tirar o esmalte. Pensou na última vez em que saíram juntos, na última cavalheirice, no último “eu te amo” verdadeiro, não naqueles falsificados que ele pronunciava, mais por agradecimento que por emoção. Pensou no sexo automático, egoísta do marido. Pensou no jeito ranzinza, na ignorância e quis chorar. Não conseguiu, nem se surpreendeu.
—Que foi, Vânia? Vai ficar aí como estátua? Vem ajeitar a comida.
—Meu bem, você quer que eu compre cigarros?—Perguntou ela, desinteressada deixando cair pedaços de esmalte no chão e foi recolocando a roupa e andando em direção a bolsa. Olhou o relógio sobre a parede.
—Não.—Ele respondeu, ignorante.
—Ah, tá. É que eu vou ali na manicure fazer as unhas e só volto amanhã cedo.

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